Lei de Igualdade Salarial corre risco de ser esvaziada por manobra de empresários da indústria
18 de março de 2024
Entidades de representação de empresas ingressaram com ação no STF para barrar o cumprimento da Lei 14.611, que estabelece a igualdade de remuneração entre homens e mulheres
A judicialização,
por parte do grupo DPSP (dono das Drogarias Pacheco e São Paulo), CNI (Confederação
Nacional da Indústria) e CNC (Comércio de Bens, Serviços e Turismo), contra a
divulgação do primeiro Relatório de Transparência Salarial
e de Critérios Remuneratórios, que os Ministérios do Trabalho e
da Mulher planejam divulgar neste mês, esvazia a Lei de Igualdade Salarial
entre Gêneros (Lei 14.611/2023).
“A implementação da
norma, que contém medidas que já existem em diversos países, de transparência
salarial e fiscalização contra a diferença salarial entre homens e mulheres,
corre o risco de ter seu efeito significativamente enfraquecido porque essas
ações atacam justamente o relatório, que é a principal inovação que a Lei n°
14.611 trouxe”, explica a assessora jurídica da Contraf-CUT (Confederação
Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro), Phamela Godoy.
No início do mês de
março, o grupo DPSP conseguiu uma liminar na Justiça, que desobriga as redes
Drogarias Pacheco e São Paulo a fornecerem ao governo informações trabalhistas
e salariais das funcionárias e funcionários para o Portal Emprego Brasil, e
também o envio de dados para relatório de transparência salarial elaborado pelo
Ministério de Trabalho e Emprego, bem como a divulgação desses dados em sites e
redes sociais das próprias empresas, sob a justificativa de que a publicidade
dos dados iria contra a Lei de Proteção de Dados.
A liminar, deferida
por inteiro pela juíza Federal Frana Elizabeth Mendes, da 26ª vara Federal do
Rio de Janeiro, também determina que, em caso de identificada desigualdade
salarial de gênero, a União se abstenha em exigir a participação dos Sindicatos
profissionais na elaboração do plano de mitigação, outra medida da Lei n°
14.611.
Já na última
terça-feira (12), a CNI e a CNC acionaram o STF (Supremo Tribunal Federal) para
derrubar trechos da Lei de Igualdade Salarial. A ação gira em torno de três
pontos que as entidades acusam de “inconstitucionais”.
“O que essas
empresas e setores que entraram com ação querem esconder? Acaso praticam
desigualdade salarial entre homens e mulheres, discriminam negros e negras e
querem continuar praticando isso, sem que a sociedade saiba? Do contrário, caso
fosse um problema de divergência pontual com a implementação da Lei deveriam
ter a decência de procurar o governo para negociar, em vez de acionarem a
Justiça”, pondera a presidenta da Contraf-CUT e vice-presidente da CUT (Central
Única dos Trabalhadores), Juvandia Moreira.
O que dizem CNI e CNC
O primeiro
questionamento das organizações é sobre a implementação de um plano de ação,
com metas e prazos, caso identificada a desigualdade remuneratória, sob o
argumento de que existem diferenças salariais “lícitas e razoáveis”, baseadas
em “critérios objetivos de aferição de maior perfeição técnica”, como tempo de
serviço e mérito.
“Importante aqui
mencionar que esta ferramenta do plano de ação é muito utilizada na legislação
nacional, como por exemplo na Lei de recuperação judicial”, destaca Phamela
Godoy. “O argumento utilizado de que o plano inviabilizaria as ‘diferenças
razoáveis ou lícitas’ é, na prática, a mensagem de que ‘sabemos que estamos
praticando salários diferentes, mas entendemos que isto é correto'”, completa.
O segundo e o terceiro
questionamentos, da CNI e CNC, são quanto aos critérios que determinam eventual
discriminação e contra a publicação do relatório de transparência salarial,
repetindo o argumento do grupo DPSP, de que a publicação exporia dados pessoas
e estratégicos, além de colocar em risco a imagem das empresas.
“No ponto da
discriminação, a ação busca minimizar a desigualdade como algo simples,
‘situação de desequiparação salarial objetiva’. Já o último ponto, defendido
pelas entidades, mantém o processo da desigualdade que o país precisa
enfrentar, ao pedir para ocultar de todos os trabalhadores a diferença salarial
entre os cargos de gestão dos demais trabalhadores”, pontua a assessora
jurídica da Contraf-CUT.
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homens no mercado de trabalho
Países têm regras semelhantes
De iniciativa do
governo Federal, a Lei de Igualdade Salarial entre Gêneros foi aprovada pelo
Congresso em junho do ano passado. A norma não é novidade para um país. Segundo
o Banco Mundial, 35 nações, incluindo Reino Unido, Austrália, França, Peru e
Islândia, possuem medidas de transparência salarial e fiscalização para superar
essa questão.
“Eu ainda estou
impactada com o fato de as empresas terem entrado no STF. Isso significa um
atraso. Significa um desrespeito à luta das mulheres em muitos anos. É uma prova
de que só lutando muito para não demorarmos 131 anos para termos igualdade”,
declarou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, ao se referir ao Relatório
Global de Desigualdades de Gênero, do Fórum Econômico Mundial, publicado em
2023. O material estima que, se os países mantiverem o ritmo do progresso
registrado nas últimas décadas, serão necessários 131 anos para o fim da
disparidade salarial entre homens e mulheres.
“Tanto a
Constituição Federal quanto a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) estabelecem
o princípio de igualdade de tratamento e remuneração. Mas, na prática, esses
princípios não são seguidos, por isso a Lei n° 14.611 foi criada e aceita bem
por toda a população, porque estabelece mecanismos para que esses princípios
tenham efeitos práticos na realidade do mercado de trabalho brasileiro”,
conclui a secretária da Mulher da Contraf-CUT, Fernanda Lopes.
Fonte:
Contraf-CUT